há 4 anos - 27/03/2017

Reflexão sobre o corte de água dos condôminos inadimplentes. Divergência jurisprudencial

Longe de esgotar a questão, o objetivo deste artigo é discutir o polêmico corte de água dos condôminos inadimplentes, tendo em vista que a jurisprudência pátria não é pacífica no assunto, inclusive, como adiante serão demonstradas, decisões recentes foram proferidas no sentido de ser indevido o corte de água pelo condomínio.
É sabido pelos advogados que atuam nas relações jurídicas que envolvem condomínio, que é recorrente a instalação de hidrômetros individuais para as unidades autônomas, principalmente no estado de São Paulo. Tal medida é importante, pois o condômino paga pelo que realmente consumiu.
A individualização dos hidrômetros é uma boa medida que poderá ser aprovada em assembléia extraordinária especialmente convocada, cujo quórum necessário é a maioria dos condôminos (50% + 1), uma vez se trata de despesa útil, ou seja, despeja que tem objetivo de facilitar o uso do bem (art. 96, § 2º c/c 1.341, II, do Código Civil)
É sabido também que apesar da instalação dos hidrômetros, o condomínio continua a receber uma única conta.
Condôminos que não pagam sua quota-parte do uso da água acabam onerando outros condôminos ou o próprio condomínio, que arcará com a inadimplência.
Com o fito de resolver a questão, síndicos têm convocado assembléias para aprovação do corte de água dos condôminos inadimplentes, após um período de atraso do pagamento.
Apesar de tal medida ter ajudado as finanças do condomínio, tem sido questionada nos tribunais pátrios, cujas decisões recentes têm sido no sentido de ser ilegal o corte de água pelo condomínio. Daí a importância do presente artigo, que é trazer à baila as consequências que um condomínio possa ter, em que pese tais decisões não serem pacíficas.
O entendimento de que o corte de água de condômino pelo condomínio é indevido é fundamentado na Lei nº 8.987/1995, que reza somente ser possível o corte se o fornecimento se der diretamente pela empresa concessionária, sem qualquer intermediação ou controle por parte da administração do condomínio. Confira-se o art. 6º da referida lei:
Art. 6º. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.
Como demonstrado, em tese, somente a concessionária poderia cortar a água de um inadimplente, tendo em vista ainda que a relação entre o condomínio e a concessionária é de consumo (aplicabilidade/incidência do CDC), mas a relação entre condomínio e condômino é regida, principalmente, pelo Código Civil.
Assim sendo, o corte de água de condômino inadimplente pode ser questionado na Justiça e, como será demonstrados a seguir, julgamentos recentes têm condenado condomínios que assim procedem.
Não se pode perder de vista, como já mencionado, que há decisões divergentes, porém decisões recentes caminham no sentido de que o corte é indevido.
Os que entendem que o corte é devido, se pautam no fundamento da proibição do enriquecimento sem causa, ou seja, os condôminos que pagam em dia não podem ser compelidos a ratear a conta do inadimplente, assim sendo, o síndico estaria autorizado a realizar o corte no fornecimento de água, até que o condômino pague sua dívida. Veja os julgamentos que defendem essa tese:
Ementa: DESPESAS CONDOMINIAIS. AÇÃO DECLARATÓRIA – ALEGAÇÃO DE INDEVIDO CORTE DO FORNECIMENTO DE ÁGUA – PROVIDÊNCIA AMPARADA EM ATO ASSEMBLEAR – VALIDADE E EFICÁCIA – INADIMPLÊNCIA DOS RÉUS CONFIGURADA – IMPROCEDÊNCIA RECONHECIDA – RECURSO NÃO PROVIDO Por deliberação da assembléia de condôminos, adotou-se a individualização da medição de consumo de água, de modo que cada unidade passou a pagar as respectivas despesas na exata proporção de seu consumo. Também foi deliberada providência do corte de fornecimento em caso de inadimplência, uma vez decorrido o prazo de “sessenta”, dias do aviso para regularização, como forma de garantir o equilíbrio da coletividade condominial, que continua responsável pelo pagamento integral da tarifa perante a concessionária prestadora do serviço. Tal medida não encontra óbice legal e vincula a todos os condôminos; não constitui violação a qualquer direito, até porque a coletividade não pode ser obrigada a responder pelo pagamento de valores relativos ao consumo exclusivo da unidade condominial, sob pena de colocar em risco a sua própria continuidade. Recurso não provido. (…) Voto: (…) Como se sabe, os edifícios, em grande maioria, recebem uma só ligação de água por parte da concessionária, o que impossibilita a realização de um controle de consumo por unidade condominial de forma individualizada. Desse modo, o pagamento normalmente é realizado pela coletividade, em conformidade com o respectivo percentual de participação nas despesas comuns, critério que acaba se mostrando injusto, uma vez que não estabelece a devida proporção entre o pagamento e a utilização. (…) os condôminos, em assembléia geral, aprovaram a implantação do sistema de individualização e, a adoção da providencia do corte de fornecimento, caso positivada a inadimplência em relação a despesa respectiva e, decorrido o prazo de sessenta dias para a regularização, após aviso prévio. Não existe vedação legal expressa à adoção da medida, de modo que a deliberação assemblear se apresenta válida e eficaz. E, não causa verdadeira afronta ao sistema legal, até porque, a justificativa para a sua adoção guarda similaridade com o propósito que orientou o legislador a prever expressamente a providência em favor das prestadoras de serviço. Trata-se de providência que visa assegurar o equilíbrio da convivência na coletividade, permitindo que todos os seus integrantes possam continuar a ser beneficiados com o serviço. De outra parte, não se vislumbra verdadeira ofensa a qualquer norma constitucional. Não se pode obrigar a coletividade dos condôminos a arcar indefinidamente com a responsabilidade de efetuar o pagamento das despesas de consumo, reiteradamente inadimplidas pelos titulares da unidade. Não incumbe aos demais condôminos qualquer responsabilidade pela prestação de assistência social em favor dos autores e, exatamente por isso não, vingam os argumentos apresentados para justificar o desfrute da continuidade do consumo de água indefinidamente, às custas da comunidade condominial. (…) (Agravo de Instrumento nº 0228357-89.2012.8.26.0000. Relator: Fábio Podestá; 5ª Câmara de Direito Privado; julgamento: 08/05/2013). Grifamos
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Ementa: Condomínio. Fornecimento de água. Inadimplência. Corte. Condômino que não paga desde 1999, nem mesmo a água que é cobrada destacada mente no boleto. Admissibilidade porque apesar de serviço essencial é prestado em condomínio de classe média alta e com custo para todos os demais condôminos. Prova da verossimilhança inexistente. Liminar revogada. Recurso provido. (Apelação nº 9052012-91.2007.8.6.0000. Relator (a): Maia da Cunha; Comarca: Itatiba; Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 17/01/2008; Data de registro: 07/02/2008; Outros números: 5377884000). Grifamos.
De outro giro, há julgados recentes, com os quais compartilhamos o entendimento, que são contra o corte de água pelo condomínio, cujo fundamento se dá que a água é um bem fundamental à vida (dignidade da pessoa humana). Portanto, o condomínio não pode “cortar” a água, ao contrário, devem ser adotadas medidas para evitar o inadimplemento, cobrando, portanto, de maneira eficaz.
Confiram-se os julgados:
TJ-SP – Apelação APL 10018059720168260005 SP 1001805-97.2016.8.26.0005 (TJ-SP)
Data de publicação: 27/03/2017
Ementa: AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SUPRESSÃO DO FORNECIMENTODE ÁGUA PELO CONDOMÍNIO EM RAZÃO DE INADIMPLEMENTO DA CONDÔMINA. APROVAÇÃO DA MEDIDA EM ASSEMBLEIA CONDOMINIAL. MEDIDA UTILIZADA COMO FORMA DE COMPELIR O CONDÔMINO INADIMPLENTE A SATISFAZER AS OBRIGAÇÕES CONDOMINIAIS. IMPOSSIBILIDADE. SERVIÇO ESSENCIAL. ATO PRIVATIVO DO PODER PÚBLICO ATRAVÉS DE SUAS CONCESSIONÁRIAS. ART. 6.º , § 3.º , INC. II , DA LEI N.º 8.987 /95 E DO ART. 19 DO DECRETO ESTADUAL N.º 41.446/96. Não se afigura legítimo o corte no fornecimento de água na unidade condominial devedora, de forma a compelir o condômino inadimplente a pagar pela taxa condominial em atraso, dado o caráter essencial do serviço. Ademais, a lei n.º 8.987 /95 atribuiu legitimidade privativa do Poder Público, através de suas concessionárias, em caso de inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade, a interrupção do serviço após prévia notificação, o que não infringe o princípio da continuidade do serviço público essencial. Recurso desprovido.
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TJ-SP – Apelação APL 10018326320138260271 SP 1001832-63.2013.8.26.0271 (TJ-SP)
Data de publicação: 04/04/2017
Ementa: AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SUPRESSÃO DO FORNECIMENTODE ÁGUA PELO CONDOMÍNIO EM RAZÃO DE INADIMPLEMENTO DA CONDÔMINA. APROVAÇÃO DA MEDIDA EM ASSEMBLEIA CONDOMINIAL. MEDIDA UTILIZADA COMO FORMA DE COMPELIR O CONDÔMINO INADIMPLENTE A SATISFAZER AS OBRIGAÇÕES CONDOMINIAIS. IMPOSSIBILIDADE. SERVIÇO ESSENCIAL. ATO PRIVATIVO DO PODER PÚBLICO ATRAVÉS DE SUAS CONCESSIONÁRIAS. ART. 6.º , § 3.º , INC. II , DA LEI N.º 8.987 /95 E DO ART. 19 DO DECRETO ESTADUAL N.º 41.446/96. SENTENÇA REFORMADA. Não se afigura legítimo o corte no fornecimento de água na unidade condominial devedora, de forma a compelir o condômino inadimplente a pagar pela taxa condominial em atraso, dado o caráter essencial do serviço. Ademais, a lei n.º 8.987 /95 atribuiu legitimidade privativa do Poder Público, através de suas concessionárias, em caso de inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade, a interrupção do serviço após prévia notificação, o que não infringe o princípio da continuidade do serviço público essencial. Recurso provido.
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TJ-SP – Apelação APL 00055402220128260127 SP 0005540-22.2012.8.26.0127 (TJ-SP)
Data de publicação: 17/02/2017
Ementa: Condomínio. Assembléia que delibera corte no fornecimento de água aos condôminos em situação de mora na obrigação de pagar as despesas de condomínio. Interrupção determinada em relação à unidade ocupada pelo autor. Conduta abusiva e arbitrária. Possibilidade de corte por inadimplemento exclusiva das empresas concessionária de fornecimento de água. Ofensa a direito de personalidade reconhecido. Ação julgada procedente para tornar definitiva a antecipação de tutela e condenar os réus ao pagamento de dano moral correspondente a 40 salários mínimos, rejeitando a reconvenção. Corte que não ostenta amparo legal. Conduta que gera obrigação de indenizar. Montante fixado com exacerbação. Redução. Acolhimento dos pedidos formulados na inicial que afasta pretensão de danos materiais e morais reclamada pelo condomínio em reconvenção. Recurso provido em parte. O corte de água não pode ser feito através da administração do condomínio, pois a Lei 8.987 /95 é objetiva acerca da legitimidade para tal ato. Diante da natureza do bem jurídico, de essencialidade absoluta, entende-se que, a despeito da aprovação em assembleia, esta medida é privativa do Poder Público (através das concessionárias), pois há determinadas condições, inclusive há entendimento que prevalece no C. STJ acerca da possibilidade de corte apenas por dívida atual, sendo que a Lei Civil impõe sanção de ordem pecuniária ao inadimplente (art. 1336. CC), não sendo possível restringir direito fundamental. Havendo outros meios para cobrança, a medida drástica e ilegal de corte de água, serviço de natureza essencial, causa dano extrapatrimonial, sendo certo que os episódios vivenciados pelo autor ultrapassam o mero aborrecimento, devendo ser ressarcido pelo dano moral sofrido. A quantificação dos danos morais observa o princípio da lógica do razoável, ou seja, deve a indenização ser proporcional ao dano e compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e a duração dos transtornos experimentados.
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CONDOMÍNIO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA PELO CONDOMÍNIO EM RAZÃO DO INADIMPLEMENTO DE DESPESAS CONDOMINIAIS PELO CONDÔMINO DETERMINAÇÃO DE RESTABELECIMENTO DO SERVIÇO RECURSO. Tratando-se de serviço essencial, de natureza pessoal, não vinculado ao imóvel, abusiva e arbitrária a conduta do Condomínio ao interrompê-lo, eis que tal prerrogativa somente pode ser legitimamente exercida pela concessionária de serviços públicos, nos termos do art. 6º, § 3º, inciso II, da Lei nº 8.978/95. Cabível ao condomínio credor medidas legais e legítimas para compelir o inadimplente ao pagamento do débito, conforme inteligência do art. 1.336, § 1º e art. 1.337, todos do Código Civil. Indenização por danos morais reduzida à vista do descumprimento reiterado da autora para com as suas obrigações condominiais Recurso provido em parte. (…) Voto: Ocorre que, não obstante legitimado pela Assembleia Geral Extraordinária, para interromper o fornecimento de água em caso de inadimplência, tal comportamento do Condomínio não se pautou pela legalidade, visto que a provisão de água constitui serviço essencial, dotado da característica da continuidade na sua respectiva prestação. De fato, a interrupção do fornecimento é autorizada somente à concessionária do serviço público, nos termos do art. 6º, § 3º, inciso II da lei nº 8.987/95. (…). As sanções utilizáveis pelo Condomínio são as estabelecidas pelo § 1º do art. 1.336 do Código Civil: “O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito”. Observe-se que as sanções estabelecidas são de natureza estritamente pecuniária, de sorte que não é possível ao condomínio restringir o uso de serviço comum em razão da falta de pagamento das contribuições, ainda que haja previsão em assembleia. Porém, no que tange à condenação por danos morais, deve ser provido o apelo, para redução do valor fixado à quantia de R$ 1.000,00, considerando não haver prova produzida que justifique fixação em parâmetros superiores, ainda mais quando se verifica a existência de culpa da condômina, para esta situação, pois se encontra inadimplente, em relação às suas obrigações, por cerca de sete anos, podendo-se ter ideia dos enormes transtornos que está causando à administração do Condomínio com a sua recalcitrância em cumprir com as suas obrigações. (Apelação nº 1102499-85.2013.8.26.0100. 32ª Câmara de Direito Privado. Relator: Caio Marcelo Mendes de Oliveira. Julgamento em 14.05.2015). Grifamos.
Entendemos que o condomínio deve adotar medidas eficazes de cobrança, tendo em vista que atualmente a vigente lei processual permite via executiva (entendemos que é o melhor caminho, com as devidas “vênias” de quem entende o contrário), nos termos do artigo 784, inciso X, do Novo Código de Processo Civil, vez que a dívida condominial é considerada título executivo extrajudicial.
Entendemos ainda que eventuais restrições só possam ser efetivadas por meio de ordem judicial, por ser concessionária autorizada pelo serviço público (concernente ao corte de água), sob pena de o síndico ou o condomínio serem responsabilizados pelos eventuais prejuízos causados aos condôminos com a privação do consumo da água, inclusive, com a condenação a danos morais, como bem destacado nos acórdãos acima reproduzidos, que por ter o condômino dado azo, o valor fixado é reduzido.
Por fim, entendemos que medidas de cobranças eficazes evitam a inadimplência, pois cortar água de condôminos pode gerar riscos ao condomínio (condenação), pois o corte de água, gás ou outros serviços indispensáveis à vida de qualquer ser humano, embora esteja inadimplente naquele momento, mesmo que previamente autorizado pela Assembléia, é tido como indevido por diversos Tribunais.
Em que pese concordarmos que o corte de água evita a inadimplência, sugerimos que os condomínios adotem medidas eficazes de cobrança, caso contrário, recomenda-se que o síndico faça constar na ata de assembléia (observando o quórum) que eventual responsabilização deverá recair sobre o condomínio.
Santo André, 25/07/2017.
 

Givaldo Marques de Araújo Júnior, Advogado, Pós Graduando em Direito Processual Cível, Diretor Executivo OAB/SP Subseção Santo André 2016/2018.
 

 

Paulo André Alves Teixeira, Advogado, Procurador Municipal, Ex-Presidente da Associação dos Procuradores, Consultores e Advogados Municipais de Santo André e Ex-Presidente da Comissão do Advogado Público da OAB, Seccional de Santo André.
 

Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.
§ 1o São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.
§ 2o São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.
§ 3o São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.
Art. 1.341. A realização de obras no condomínio depende:
I – se voluptuárias, de voto de dois terços dos condôminos;
II – se úteis, de voto da maioria dos condôminos.
Art. 784, NCPC. São títulos executivos extrajudiciais: X – o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembléia geral, desde que documentalmente comprovadas.